O mesmo Sistema Único de
Saúde (SUS) que fez mais de 22 mil cirurgias de transplantes de órgão e lida
diariamente com doenças relacionadas a um novo estilo de vida imposto pela
modernidade do século 21 - corrido e ao mesmo tempo sedentário -, ainda precisa
prestar atendimento a pessoas com enfermidades que se expandiram desde o século
19. De acordo com a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Tânia
Araújo Jorge, as chamadas “doenças negligenciadas” têm um determinante social
muito forte e suas sequelas alimentam o círculo da pobreza.
“Renda, condições de
educação, de saneamento e água influenciam bastante na permanência dessas
doenças, por isso são consideradas doenças relacionadas à pobreza”, explica
Tânia. As doenças negligenciadas consideradas prioritárias pelo governo federal
são dengue, doença de Chagas, leishmaniose, malária, esquistossomose,
hanseníase e tuberculose. A pesquisadora destaca que outra característica
desses males é que, de forma geral, são negligenciados pela indústria farmacêutica
global. “Não tem interesse em investimento de pesquisa para geração de vacina,
de medicamentos, porque é um mercado pobre, a atividade econômica não dá
sustentação para um mercado global” avaliou.
Tânia Araújo acrescenta
ainda que outro componente que contribui para a permanência dessas doenças na
agenda do governo é a omissão da rede pública de saúde na atenção a essas
populações. “Muitas vezes você tem o medicamento, mas o serviço de saúde não
propicia o acesso às soluções já conhecidas”, diz.
A pesquisadora ressaltou que
não adianta ter apenas um planejamento do governo federal, “tem que haver ação
na ponta. A articulação entre os entes federal, estaduais e municipais é muito
importante”. Para ela, as políticas voltadas para a as doenças negligenciadas
são tratadas como política de governo e não de Estado, e por isso é muito comum
que sejam suspensas a cada troca de governo.
“Esse tema não deve sair da
agenda política, ele está muito presente na agenda dos cientistas, mas isso por
si só não é o suficiente. Os resultados das pesquisas têm que ser colocado na
agenda política do país” frisou Tânia, acrescentando que o investimento em
educação é fundamental.
De acordo com dados do
Ministério da Saúde, em 2012 foram registrados mais de 33 mil novos casos de
hanseníase, considerada uma das doenças mais antigas que acometem o homem e que
tem cura. Os estados de Mato Grosso, Maranhão e do Tocantins apresentaram em
2012 alta incidência da doença, enquanto todos os estados da Região Sul, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, na Região Sudeste, somados ao Rio Grande do
Norte, no Nordeste, alcançaram a meta de eliminação da hanseníase como problema
de saúde pública.
A pesquisadora explicou que com o avanço das pesquisas na saúde a letalidade
das doenças negligenciadas diminuiu em relação à do século 19, porém, a
convivência prolongada com elas traz mais morbidades. “A mortalidade hoje no
Brasil é muito mais causada por doenças cardiovasculares, câncer, doenças
crônicas. Essas doenças infecciosas da pobreza conseguem ser controladas, menos
de 5% da população morrem em consequência delas. No entanto, elas são muito
frequentes, em crianças atrapalham o rendimento escolar, atrapalham o
crescimento, em adultos atrapalham a inserção no mercado de trabalho, de forma
que sustenta um círculo que mantém a pobreza” diz a especialista.
Ao mesmo tempo em que o SUS
precisa lidar com essas doenças, aumenta o número de pessoas acometidas por
males intimamente relacionados ao ritmo de vida mais acelerado, às cobranças e
ao sedentarismo, cada vez mais comuns na vida de quem vive nas metrópoles.
“Obesidade, hipertensão arterial, diabetes mellitus, depressão, problemas de
tireoide, dor nas costas, doenças ocupacionais, são as doenças que mais
atormentam a sociedade moderna”, avalia Samira Layaun, médica especialista em
medicina preventiva e consultora de saúde e qualidade de vida.
Na avaliação da
especialista, falta estrutura e investimento em saúde pública para atender à
demanda ocasionada por essas doenças. Mesmo figurando em agendas de saúde tão
distintas, tanto as doenças negligenciadas como as ditas “da vida moderna”
precisam de investimento maciço em educação.
“O governo deveria investir
mais em campanhas educativas e ações que estimulem as pessoas a adotar bons
hábitos alimentares, de sono, exercícios, entre outros. De outro lado, as
pessoas deveriam aderir a esses bons hábitos. Procurar alimentar-se e
hidratar-se corretamente, dormir, no mínimo, oito horas por noite, praticar
exercícios com regularidade, manter o peso e o estresse sob controle, ficar
longe do cigarro, do álcool, das drogas, praticar boas ações e nutrir bons
sentimentos. São práticas que colaboram tanto na prevenção como no tratamento
das doenças da vida moderna”, reforçou Samira à Agência Brasil.
Fonte: Agência Brasil